quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

historia real do pokemon

Em todo o Brasil, crianças recitam, fascinadas, palavras tão estranhas como Charmander ou Psyduck, sabem de cor uma lista infindável de outros nomes esquisitos e andam cheias de bugigangas feitas com as formas desses personagens. Eles são os Pokémon (abreviatura de pocket monsters, monstros de bolso em inglês), nova versão de uma febre que se repete de tempos em tempos: a dos personagens ou brinquedos que enlouquecem meninos e meninas, especialmente os menores de 10 anos. Quem não se lembra do bichinho virtual Tamagochi, das figurinhas Tazo ou dos Cavaleiros do Zodíaco?

Em meio ao vaivém das ondas de consumo, muitos professores se sentem perdidos. O que fazer? Vetar a presença dos personagens da moda na classe? Limitar a proibição para a sala de aula, mas permitir as brincadeiras no recreio? Ou aproveitar para montar atividades com as manias?

Os especialistas se dividem. Não adianta resistir à influência da indústria, especialmente no caso da televisão, acredita a psicóloga Mílada Tonarelli Gonçalves, do Laboratório de Pesquisa sobre Infância, Imaginário e Comunicação, da Universidade de São Paulo (USP). Por isso, sempre recomendo aos professores que conheçam programas de televisão, revistas e qualquer outro produto de que as crianças gostem, porque só assim eles poderão discutir com os alunos o que é bom ou ruim, orienta.

Beth Carmona, que foi diretora de programação da TV Cultura de 1992 a 1998, período em que foram produzidos O Mundo da Lua, Castelo Rá-Tim-Bum e outros programas educativos premiados internacionalmente, dá o mesmo conselho. O professor que conhece os objetos preferidos de seus alunos encontra caminhos para aproveitá-los nas aulas.

"Sou contra desenhos animados e videogames", rebate Valdemar Setzer, professor aposentado do curso de Matemática da USP e especialista na análise de games. A criança tem de ficar longe de tudo isso, radicaliza. Monstros e bichos que falam são prejudiciais porque deturpam a realidade.

Não importa de que lado você está nessa discussão. Num ponto, todos concordam: o problema não é só da escola. É preciso montar uma aliança com os pais, avalia o psiquiatra e escritor Içami Tiba. Até porque, diz ele, muitas vezes as manias consumistas não encontram oposição dentro de casa. Em famílias de classe média, sobretudo nos grandes centros, é comum os adultos quererem compensar o tempo que passam longe dos filhos comprando tudo para eles, alerta.

Encanto e socialização

À primeira vista, o encanto causado pelos personagens parece inexplicável. Eles têm formas estranhas e nomes difíceis - formados por misturas de palavras de várias línguas, como inglês, espanhol e latim - e o enredo das histórias é complicado. O segredo é que os Pokémon são muito cativantes.

Você não acha? Então preste atenção na figura do mais famoso deles, Pikachu, com seus olhos cândidos, e tente se colocar no lugar de uma criança na frente da TV. Além disso, as histórias escondem uma atraente estrutura de jogo, com o desafio de capturar mais e mais monstrinhos. "Temos que pegar", martela o slogan.

"O desenho apenas dá reconhecimento visual ao verdadeiro fenômeno, que é o jogo", diz André Forastieri, diretor da Editora Conrad, que publica as revistas oficiais dos personagens. O motor das histórias são as lutas entre os Pokémon. As crianças, principalmente as menores, estão resolvendo conflitos internos e acho que as lutas vão ao encontro dessas questões, avalia Sonia Gheventer, da equipe de coordenação pedagógica do colégio Max Nordau, do Rio de Janeiro, uma das escolas que resolveram utilizar os bichinhos, com bons resultados.

O enorme número de monstros (hoje eles são 151, mas videogames que serão lançados no final do ano acrescentarão centenas de outros) e as várias características de cada um fazem com que sempre haja algo novo a aprender sobre os personagens mais um fortíssimo fator de atração. Os Pokémon também ganham força porque, como qualquer moda, envolvem a socialização. Eu nem ligava, mas vi todo mundo colecionando figurinhas e comprando bonecos, então resolvi assistir ao desenho. Gostei, conta Laura Verzlotti Sarckovas, de 7 anos, da 1ª série do Colégio Vera Cruz, em São Paulo.

Marketing pesado

Não faltam incentivos para que as crianças se envolvam mais e mais. O mundo Pokémon promove casamentos entre produtos e meios de comunicação de um modo extremamente articulado como nunca se viu (leia o quadro sobre a evolução do marketing de personagens infantis na página 20). Além do desenho na TV, há as figurinhas, o filme, as revistas, os games, os sites, os chaveiros, as mochilas, isso só falando de algumas das mercadorias legais. Nas barracas de camelôs, é possível encontrar uma enxurrada de bugigangas piratas.

"A atual febre não está ligada ao enredo das histórias, mas ao ataque maciço do marketing", diz Mílada Gonçalves (no quadro da página 19, as delicadas relações entre consumo e educação nos programas infantis). A Exim Licesing Group, licenciadora oficial dos produtos Pokémon no Brasil, estima que até o final deste ano as mercadorias com a marca dos personagens devem faturar 38 milhões de reais. De agosto de 1999 até o início de fevereiro de 2000, a receita chegou a 7 milhões de reais. O número de produtos deve, no mínimo, triplicar até dezembro, estima Silvana Monteiro, gerente da empresa. Segundo ela, serão 150 itens licenciados. A lista é variada e inclui brinquedos infláveis, cartões holográficos e agendas eletrônicas.

Depois de Pokémon, o Filme, que invadiu os cinemas no último mês de janeiro, em novembro deve chegar o segundo longa-metragem, cujo nome em inglês é Revelation: Lugia. A fita passou no Japão no ano passado e estréia nos Estados Unidos em julho. Quando chegar aqui, o terceiro longa já estará nas telas japonesas.

Novos produtos

Foto: Divulgação/ Pikachu projects

Ainda neste mês de março, a Rede Record de televisão deve pôr no ar 52 novos episódios do desenho, que formam a segunda das três temporadas já exibidas no Japão. A emissora tem obtido ótimos resultados com o Pokémon. A média de audiência do programa matinal Eliana e Alegria é de quatro pontos no Ibope (o equivalente a 511800 domicílios em todo o país), mas nos 27 minutos diários de Pokémon, no mesmo programa, ela sobe para seis pontos (ou 767700 domicílios). Vamos exibir as histórias pelo menos até 2003, promete Milton Zanella, gerente de cinema da emissora.

No final deste ano, desembarcam no Brasil outras duas versões do videogame, o Pokémon Silver e o Gold, com novos bichinhos. A Nintendo não diz quantos serão eles, mas sabe-se que haverá de 100 a 250 criaturas diferentes. Para completar, acaba de ser lançado (pela Devir Editora) o jogo de cartas ilustradas, o produto Pokémon mais vendido nos Estados Unidos. Ele funciona mais ou menos como um álbum de figurinhas, só que nos pacotinhos existem cartões, que formam um baralho. O jogo, é claro, consiste em capturar os monstros de bolso. Pelo visto, é bom se preparar em casa e na escola. Essa febre tem tudo para ir muito mais longe.

O lado bom dos montros (sim, existe um)

Foto: Werington Kermes

Cenas dos filmes Castelo Rá-Tim-Bum e Pokémon: há mesmo distinção entre o bom e o ruim?

É óbvio que o fenômeno Pokémon é movido a consumo. Mas é só isso? Especialistas reconhecem que as histórias deles enaltecem valores positivos, como responsabilidade, cooperação e respeito pelos mais velhos. Tudo porque elas mostram pontos básicos da cultura do país de origem dos personagens, o Japão.

As figuras centrais, os meninos Ash e Brock e a menina Misty, cuidam bem dos pequenos monstros. Além disso, os três resolvem seus problemas juntos, com espírito de equipe. Embora tenham lutas, as histórias são pouco violentas.

Os monstros não morrem e nunca aparecem sangrando. Assim, não é tão fácil rotulá-los de influências negativas. Aliás, a classificação de produtos e personagens entre educativos e não-educativos é mais complicada do que parece. A criança não é um consumidor passivo, afirma Mílada Gonçalves. Ela tem uma visão pessoal dos personagens, por isso não é fácil dizer que não se aprende nada com um desenho animado.

Beth Carmona, ex-diretora de Programação da TV Cultura, propõe três categorias para produtos infantis: Há os que ajudam a ampliar o universo de conhecimento; os que não fazem isso, mas tampouco fazem mal; e os que trazem danos, por estimular o consumo ou misturar realidade e fantasia. Beth coloca os Pokémon no segundo grupo, resvalando para o terceiro devido ao boom de consumo.

Não existe essa divisão entre produtos do bem e do mal, discorda André Forastieri, da Editora Conrad, que publica a revista Pokémon Club, com tiragem de 200.000 exemplares por quinzena. Tanto o Castelo Rá-Tim-Bum quanto o Pokémon são feitos para o consumo, sentencia. Se milhares de crianças lêem a revista, os Pokémon estão fazendo muito por essa geração.

Uma estratégia velha conhecida

O marketing de personagens cresceu com a indústria da comunicação. Aqui, um pouco dessa história

1906 - 1914
Os primeiros desenhos animados eram feitos cena a cena, riscados em nanquim sobre papel. Assim eram Humorous Phases of Funny Faces, lançado em 1906 por James Stuart Blackton, e Gertie the Dinosaur, criado em 1914 por outro americano, Winsor McCay

1928
Surge o primeiro filme de animação sonoro, O Vapor Willie, de Walt Disney e Ub Iwerks, estrelado por Mickey Mouse. O camundongo virou grife e passou a estampar vários produtos. O mais famoso foi um relógio, criado em 1933

1937
Chega às telas o primeiro longa-metragem animado, Branca de Neve e os Sete Anões, dos estúdios Disney. Os personagens foram transformados em bonecos, xícaras de chá, relógios, bolsas e dezenas de outros produtos

1960
Os desenhos estréiam na TV. A dupla Hanna-Barbera cria Os Flintstones (1960), Os Jetsons (1962), Jonny Quest (1964), Scooby-Doo (1969) e outros sucessos. O merchandising aumenta. Fred Flintstone anuncia até cigarros

1990
Aparecem Os Simpsons, de Matt Groening, família que expõe o lado preconceituoso da classe média americana. Uma dupla de bad boys também marca a década de 90: Beavis e Butt-Head (1992), da MTV. Todos eles deram origem a produtos

1994
A extinta TV Manchete recebe um pacote dos desenhos japoneses Os Cavaleiros do Zodíaco e anuncia brinquedos dos personagens, que viram febre entre a garotada

Ash, Oak, Brock...Conheça essa turma

Quem vê pela primeira vez uma das histórias do menino Ash e seu companheiro Pikachu pode não entender grande coisa. É preciso conhecer os princípios que regem as aventuras dos Pokémon. Eles fazem parte de um universo de fantasia, um mundo particular. Nele, os monstrinhos vivem soltos como animais selvagens e são classificados em quinze gêneros. Há, por exemplo, os do tipo dragão e venenoso.

As pessoas desse mundo estão envolvidas com um único objetivo: capturar mais e mais bichos. Para começar a caçada, é preciso possuir pelo menos um, já que só um Pokémon pode lutar com outro. Quem pega um deles guarda-o numa bola especial, a pokébola. Na hora de lutar, o dono abre a pokébola e de lá sai o monstro, que só combate bem se for treinado. Por isso, não basta pegá-los.

É preciso cuidar deles, ser um bom treinador o desafio que fascina crianças em todo o mundo.

Ao vencer uma luta difícil, um Pokémon pode evoluir, mas não há regras fixas para que isso aconteça. Depois da evolução, ele ganha mais força, outras formas e um novo nome. O professor Oak é a maior autoridade em Pokémon. É ele quem dá a Ash seu primeiro monstrinho, Pikachu, um Pokémon elétrico. Ash, que sonha em se tornar o maior treinador do mundo, anda sempre com seus amigos Brock e Misty. Brock é mais velho e calmo que o personagem central. E Misty vive um amor platônico pelo herói.

Na eterna busca pelos monstros, os três enfrentam a Equipe Rocket, formada pela dupla inescrupulosa Jessie e James e por Meowth, uma espécie de gato e o único dos monstrinhos capaz de falar. Os Rocket não estão interessados em cuidar bem dos Pokémon e, por isso mesmo (quem pensou que os mocinhos poderiam perder?), sempre se dão mal.

Coleção de insetos

Todo esse universo foi criado por Satoshi Tajiri, um japonês de 34 anos que na infância tinha mania de colecionar insetos e na adolescência ficou louco por videogames. Tajiri não fez faculdade e parecia fadado ao fracasso. Em 1982, ele lançou uma revista sobre games, GameFreak. Depois, achou que escrever sobre os jogos era pouco e resolveu criar alguns. Em 1991, encantou-se com o game-boy criado pela Nintendo, esse aparelho permite que o jogador brinque sozinho, numa tela que cabe na palma da mão, ou seja conectado a outro por um cabo, com duas pessoas trocando informações.

Tajiri juntou suas lembranças de caça a insetos à paixão pelos games para criar o jogo Pokémon, feito para game-boy. Imaginei um inseto indo e vindo pelo cabo, declarou ele à revista norte-americana Time. Depois de seis anos de trabalho, batizou o herói com o próprio nome, Satoshi. O personagem foi rebatizado de Ash nos Estados Unidos e manteve o nome americano no Brasil. Quando finalmente tudo ficou pronto, em 1996, o mercado de game-boy parecia ter chegado ao fim, com o surgimento de outras novidades tecnológicas. Mesmo sem grandes expectativas, a Nintendo resolveu lançar o Pokémon.

Oficialmente havia 150 monstros, mas, sem que o fabricante soubesse, Tajiri colocou no software mais um, Mew, a estrela de Pokémon, o Filme. O autor começou a espalhar boatos sobre esse Pokémon 151. O mistério que envolveu o novo personagem aumentou as vendas de tal forma que a Nintendo logo transformou o game em desenho animado.

Em 16 de dezembro de 1997, quando o capítulo 38 foi ao ar na TV japonesa, uma cena em que Pikachu emitia raios deixou 12000 crianças doentes e levou cerca de 600 ao hospital, com convulsões. Em vez de destruir a imagem dos Pokémon, o episódio só aumentou a curiosidade sobre eles. O desenho mudou, para que não acontecessem novos acidentes.

Os monstrinhos chegaram aos Estados Unidos em setembro de 1998, já transformados num pacote de inúmeros produtos. Em maio do ano passado, começaram a ter suas histórias transmitidas pela Rede Record. O desenho foi o grande divulgador dos Pokémon no Brasil, já que por aqui o game-boy não é muito popular.



Nenhum comentário:

Postar um comentário